Michel Montaigne pedagogia e ceticismo

Michel Montaigne

Anteriormente a Comenius, Michel de Montaigne (1533-1592) escreveu uma obra chamada Ensaios, na qual expressava sua preocupação com a formação do homem universal. A educação formativa passa então a ser um dos temas a figurar na sua obra. O filósofo percebe que, nos tempos modernos, a formação do homem não pode se restringir a uma arte específica, como ser guerreiro ou artesão, ao modelo das sociedades antigas. Quando trata da educação, Montaigne enfatiza a necessidade de ensinar de tudo para que os indivíduos possam vislumbrar o conhecimento. Segundo Celso Filho (2012), a ideia de homem universal de Montaigne propõe a preparação do indivíduo para o mundo, querendo dizer com isso que ele deve estar preparado para tudo.

A diferença fundamental de Montaigne em relação a Comenius está no fato de que Montaigne, pertencente ao círculo católico da Europa, pensa a educação para os nobres, respeitando a hierarquia social de época. No entanto, suas reflexões não deixam de trazer contribuições para pensar a arte de ensinar. Preocupado com a formação moral, típico pensamento de sua época, vê no comportamento dos camponeses, aferrados ao trabalho e tementes a Deus, um modelo de conduta que se opõe a arrogância dos nobres e burgueses do século XVI. Herdeiro do humanismo renascentista que admira o mundo grego e das práticas medievais de ensino, traçou um caminho de crítica a estas influências, buscando um novo caminho para a formação do homem.

Com relação aos procedimentos de ensino, condena o pensamento dogmático, cuja finalidade seria preencher as mentes humanas com verdades inquestionáveis, as quais não trazem nenhuma contribuição para o desenvolvimento do conhecimento. Mais uma vez a memorização e a repetição são rechaçadas como um vício herdado dos antigos que deve ser superado. Influenciado pelo empirismo, critica o modelo aristotélico de ensino deixado pelos medievais e propõe que a educação seja guiada pelo espírito investigativo e incentivada pela prática, para a qual a teoria deve ser aprendida. Para Celso Filho (2012), Montaigne antecipa a ideia de que a teoria deve ser aliada à prática, assim como desenvolve um método humanista de ensino que, longe de endossar o humanismo cristão que inspirou o rigor dos jesuítas, defende a postura cética, através da qual a busca do conhecimento deve ser constante e passível de reformulação.

Suas contribuições não param por aí e poderíamos escrever esta aula inteira sobre suas ideias, mas vamos apresentar apenas mais uma que consideramos fundamental: a educação deve preparar o homem para reconhecer a sua própria condição.

Embora pareça uma faceta da máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”, Montaigne aponta para a função política da educação, a de propiciar ao homem a consciência, patamar que o permite caminhar em direção à verdadeira liberdade. Livre será o homem que sabe sobre si e compreende o lugar que habita. Esse pressuposto de Montaigne abre os caminhos para a emancipação política e preconiza a ideia de que somente através da educação será possível participar do governo político. O primeiro governo é o de si mesmo, saber se orientar num mundo novo e, em seguida, decidir coletivamente. Mas isso é papo para outro momento histórico, pois temos que esperar a Revolução Francesa, que levará 200 anos para chegar!

Mas nem tudo são flores na obra do filósofo. Ao criticar a educação erudita, que apenas se baseia na memorização de textos e falas dos sábios da antiguidade, Montaigne fala da superioridade da boa educação, aquela que prepara para o mundo. Seu tom, próprio da linguagem nobiliárquica, chega próximo ao discurso preconceituoso, pelo qual aqueles que são educados são superiores aos que não o são. Sua obra acabou sendo conhecida pelo conceito de pedantismo, nome dado a um de seus textos, no qual trata da diferença entre erudição e sabedoria. Nesta obra ele condena a erudição, por considerá-la fruto da memorização, constituindo-se como um saber específico e sem vida. A sabedoria, por sua vez, seria a reunião de tantos conhecimentos quantos forem úteis e necessários para a aplicação na vida. A boa educação busca, portanto, a sabedoria e nãoa erudição. De qualquer forma, a palavra pedantismo, que à época significava “o fazer daquele que acompanha”, prática do pedagogo, acabou por figurar no vocabulário comum de forma negativa, referindo-se àquele que retém conhecimentos inúteis e se gaba deles.

Comenius e Montaigne partilham do espírito de época que vê no conhecimento a finalidade maior da humanidade e através dele a possibilidade de construir um mundo melhor. Por mais utópicas que essas ideias pareçam, elas foram fundamentais para construir o mundo em que vivemos hoje e ainda indicam problemas e caminhos que tentamos resolver e perseguir.


Aula 01 - Fundamentos da didática primeiros pensadores (UFERSA – Letras)