A diferença
fundamental de Montaigne em relação a Comenius está no fato de que Montaigne,
pertencente ao círculo católico da Europa, pensa a educação para os nobres,
respeitando a hierarquia social de época. No entanto, suas reflexões não deixam
de trazer contribuições para pensar a arte de ensinar. Preocupado com a
formação moral, típico pensamento de sua época, vê no comportamento dos camponeses,
aferrados ao trabalho e tementes a Deus, um modelo de conduta que se opõe a
arrogância dos nobres e burgueses do século XVI. Herdeiro do humanismo
renascentista que admira o mundo grego e das práticas medievais de ensino,
traçou um caminho de crítica a estas influências, buscando um novo caminho para
a formação do homem.
Com relação
aos procedimentos de ensino, condena o pensamento dogmático, cuja finalidade
seria preencher as mentes humanas com verdades inquestionáveis, as quais não
trazem nenhuma contribuição para o desenvolvimento do conhecimento. Mais uma
vez a memorização e a repetição são rechaçadas como um vício herdado dos
antigos que deve ser superado. Influenciado pelo empirismo, critica o modelo aristotélico
de ensino deixado pelos medievais e propõe que a educação seja guiada pelo
espírito investigativo e incentivada pela prática, para a qual a teoria deve
ser aprendida. Para Celso Filho (2012), Montaigne antecipa a ideia de que a teoria
deve ser aliada à prática, assim como desenvolve um método humanista de ensino
que, longe de endossar o humanismo cristão que inspirou o rigor dos jesuítas,
defende a postura cética, através da qual a busca do conhecimento deve ser
constante e passível de reformulação.
Suas
contribuições não param por aí e poderíamos escrever esta aula inteira sobre
suas ideias, mas vamos apresentar apenas mais uma que consideramos fundamental:
a educação deve preparar o homem para reconhecer a sua própria condição.
Embora pareça
uma faceta da máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”, Montaigne aponta para a
função política da educação, a de propiciar ao homem a consciência, patamar que
o permite caminhar em direção à verdadeira liberdade. Livre será o homem que
sabe sobre si e compreende o lugar que habita. Esse pressuposto de Montaigne
abre os caminhos para a emancipação política e preconiza a ideia de que somente
através da educação será possível participar do governo político. O primeiro
governo é o de si mesmo, saber se orientar num mundo novo e, em seguida,
decidir coletivamente. Mas isso é papo para outro momento histórico, pois temos
que esperar a Revolução Francesa, que levará 200 anos para chegar!
Mas nem tudo
são flores na obra do filósofo. Ao criticar a educação erudita, que apenas se
baseia na memorização de textos e falas dos sábios da antiguidade, Montaigne
fala da superioridade da boa educação, aquela que prepara para o mundo. Seu
tom, próprio da linguagem nobiliárquica, chega próximo ao discurso preconceituoso,
pelo qual aqueles que são educados são superiores aos que não o são. Sua obra
acabou sendo conhecida pelo conceito de pedantismo, nome dado a um de seus
textos, no qual trata da diferença entre erudição e sabedoria. Nesta obra ele
condena a erudição, por considerá-la fruto da memorização, constituindo-se como
um saber específico e sem vida. A sabedoria, por sua vez, seria a reunião de
tantos conhecimentos quantos forem úteis e necessários para a aplicação na
vida. A boa educação busca, portanto, a sabedoria e nãoa erudição. De qualquer
forma, a palavra pedantismo, que à época significava “o fazer daquele que
acompanha”, prática do pedagogo, acabou por figurar no vocabulário comum de
forma negativa, referindo-se àquele que retém conhecimentos inúteis e se gaba
deles.
Comenius e Montaigne partilham do espírito de época que vê no conhecimento a finalidade maior da humanidade e através dele a possibilidade de construir um mundo melhor. Por mais utópicas que essas ideias pareçam, elas foram fundamentais para construir o mundo em que vivemos hoje e ainda indicam problemas e caminhos que tentamos resolver e perseguir.
Aula 01 - Fundamentos da didática primeiros pensadores (UFERSA – Letras)