O ato de escrever deve ser tão natural como a ação de falar, pois são atividades de interação social. Quando escrevemos, estamos, ao mesmo tempo, fazendo uma troca de informações ou ideias com alguém. Por esse motivo, a escrita exige que o autor conheça seu interlocutor, ou seja, para quem o texto foi escrito.
É importante ressaltar, ainda,
que alguns critérios são levados em consideração no momento em que se escreve
um texto, dentre eles: o desenvolvimento das ideias e a distribuição dos
tópicos, a seleção das palavras, a contextualização e o estilo.
Esses mecanismos linguísticos e
extralinguísticos (chamados também de fatores pragmáticos) estabelecem a
conectividade e retomada do que foi escrito ou dito. Esses são chamados de
referentes textuais, que buscam garantir a coesão textual para que haja
coerência não apenas entre os elementos que compõem a oração, como também entre
a sequência de orações dentro do texto.
Beaugrande e Dressler (1983, apud
Costa Val, 1999) apresentam um conjunto de sete mecanismos constitutivos da
textualidade:
• A coerência e a coesão,
critérios textuais;
• A intencionalidade, a
aceitabilidade, a situacionalidade, a informatividade e a intertextualidade, critérios
centrados no uso da língua.
DICAS
Os gêneros textuais são como
ferramentas que utilizamos em determinadas situações de comunicação.
Antes de começar a escrever,
temos que tomar algumas decisões importantes relativas ao texto que vamos
produzir: o objetivo do texto, a situação de uso, o leitor, o nível da
linguagem, etc.
“A intencionalidade concerne ao
empenho do produtor em construir um discurso coerente, coeso e capaz de
satisfazer os objetivos que tem em mente numa determinada situação
comunicativa” (COSTA VAL, 2006, p. 10). Por isso, produzimos textos orais e
escritos de modo que o leitor/ouvinte possa compreender nossa verdadeira
intenção, ou seja, que as palavras alcancem o sentido desejado. Veja o exemplo
a seguir:
No cartum, você pode perceber que
a intenção do personagem de boné é expor uma informação importante para o seu
colega. Porém, se considerarmos a intenção do produtor do cartum, perceberemos
que este faz uma crítica ao sistema de ensino, de vez que o outro personagem já
havia lido a notícia, mas não tinha entendido.
A intenção é um fator pragmático
segundo o qual cabe ao produtor do texto a escolha do gênero que quer produzir.
Por isso, ele deixa marcas textuais para que o leitor possa entender a real
intenção que tinha quando usou as palavras.
Intencionalidade
A aceitabilidade é a “expectativa
do recebedor de que o conjunto de ocorrências com que se defronta seja um texto
coerente, coeso, útil e relevante”, capaz de levar o leitor a adquirir
conhecimento ou a “cooperar com os objetivos do texto” (COSTA VAL, 1999, p.
11). A cooperação é um princípio que rege toda a comunicação humana.
Esse princípio diz que se duas
pessoas interagem pela linguagem, uma se esforça para ser compreendida pela
outra e procura calcular o sentido do texto para o seu interlocutor. Partindo
das pistas deixadas pelo locutor, o interlocutor ativa seus conhecimentos de
mundo, do gênero textual, do contexto, para compreender o que o locutor quis
dizer.
Mesmo que um texto não se
apresente, à primeira vista, coerente ou não possua os elementos de coesão, o
interlocutor vai tentar estabelecer a coerência necessária, apresentando uma
interpretação que lhe seja cabível. A ação de atribuir ao texto coerência é
realizada pelo interlocutor. Vamos tentar ilustrar a aceitabilidade por meio do
seguinte poema:
Aceitabilidade
Subi a porta e fechei a escada. Tirei
minhas orações e recitei meus sapatos. Desliguei
a cama e deitei-me na luz.
Autor Anônimo
CARA,
OLHA QUE LEGAL!!
A TAXA DE ESCOLARIZAÇÃO
DOS BRASILEIROS ENTRE 5 E 17 ANOS
JÁ PASSA DE 93%!
VOCÊ LEU ESSA NOTÍCIA?!
LI......MAS NÃO ENTENDI QUASE NADA!
Os três versos mobilizam alguns
conhecimentos prévios para que haja compreensão, isto é, você coopera com o
autor do texto para lhe atribuir sentido. Mesmo sabendo que a frase “subi a porta
e fechei a escada” está errada, você poderia dizer que o autor está invertendo
as palavras para que o leitor decifre como se fosse um código. Assim, a palavra
“porta” deveria ser permutada com a palavra “escada”, resultando na seguinte
construção: “subi a escada e fechei a porta”. Veja que você cooperou com a
produção do texto para lhe dar sentido. Porém, se acrescentarmos os seguintes
versos:
Existem certas ocasiões em que um
texto pode estar bem construído, ser adequado a uma situação de comunicação e,
em outras, está inadequado. Diante dessa afirmação, podemos perguntar: Em um
outdoor, devem-se utilizar textos longos, com frases complexas? A resposta
seria não. Esse gênero textual fica geralmente exposto à beira das estradas e,
consequentemente, num local em que há tráfego de pessoas que não têm tempo para
ler textos longos. Assim, a situação exige que o produtor se detenha a termos e
expressões curtas e de fácil compreensão. Costa Val (2006, p. 12) afirma que a
“situacionalidade diz respeito aos elementos responsáveis pela pertinência e
relevância do texto quanto ao contexto em que ocorre. É a adequação do texto à
situação sóciocomunicativa”. A relevância se refere aos enunciados que devem
tratar de apenas um tema, ou seja, as frases escritas/orais não devem sair do
tema ou do foco. A pertinência é a adequação das palavras e frases à situação
comunicativa. Veja um exemplo de erro de relevância e pertinência:
Em 13 de junho de 2007, a
ministra do Turismo, Marta Suplicy, ao ser entrevistada sobre o que dizer aos turistas
diante dos recentes problemas nos aeroportos pronunciou o seguinte enunciado:
“Relaxa e goza porque você vai esquecer dos transtornos.”
Situacionalidade
SAIBA MAIS
Herbert Paul Grice (1913 a 1988),
cujo trabalho foi grandemente influenciado por ambos os arcos da assim chamada
curva linguística da filosofia do século XX. O primeiro arco - a variedade de
tentativas de reformulação dos problemas tradicionais da filosofia como
problemas de linguagem, incluindo a filosofia da linguagem ordinária, que Grice
ajudou a desenvolver. O segundo arco recém desabrochado foi composto pelas
tentativas de compreender os fenômenos linguísticos - incluindo a semântica
filosófica, um campo que o trabalho de Grice continua a definir.
Logo, a frase foi pronunciada num
contexto inadequado, perdendo sua relevância e pertinência. Esses três fatores
mencionados estão interrelacionados e remetem a contextos de interlocução. Eles
se desenham a partir do contexto sociocomunicativo, determinando, em grande
medida, a constituição textual e a construção de sentidos. Tudo porque Ele me
deu um beijo de boa noite... Autor Anônimo Logo, você veria o texto por outro
prisma. Você teria uma nova interpretação do texto e, consequentemente, outra
intenção.
A informatividade diz respeito à
quantidade de informações existentes em um texto e se essas informações são
esperadas pelo recebedor, se são conhecidas, tanto no plano conceitual quanto
no formal. Um texto será menos informativo quando as informações forem mais
previsíveis e, consequentemente, mais informativo quando ocorre o inverso. Por
isso, Koch e Travaglia (2009) apresentam graus de previsibilidade da informação
contida nos textos.
Para eles, se um texto contiver
apenas informação previsível ou redundante, o grau de informatividade será
baixo. Por exemplo: Um mais um é igual a dois. Esse enunciado parece óbvio para
todo e qualquer leitor, pois as informações são previsíveis. Porém, quando
vemos a expressão “um mais um” na música do Skank, podemos perceber que ela
passa para um grau máximo de informatividade.
Informatividade
Um Mais
Um Skank Éramos nós
Éramos nós
Um mais um
Éramos mais
Que só dois
Éramos um
Feito de dois
Mais que nós dois
Nunca então sós
(Rodrigo Leão / Samuel Rosa Multishow
Ao Vivo - Skank no Mineirão (2010) disco 2)
O uso da informatividade faz
parte do conhecimento comunicacional dos sujeitos, de vez que, numa situação
concreta, o interlocutor possa reconstruir o objetivo da produção do texto.
Além disso, por um lado, é necessário que você considere que um maior nível
informacional implicará numa menor previsibilidade e o texto com menor
previsibilidade normalmente traz consigo maior complexidade para a construção
de sentidos.
Por outro lado, um menor nível
informacional implicará numa maior previsibilidade e o texto com uma menor
previsibilidade tende a ser de mais fácil leitura, o que não significa
necessariamente leitura mais interessante. Quanto maior for o compartilhamento
de informação entre autor e interlocutor, tanto mais previsível tende a ser o
texto em seu conteúdo informacional.
Os fatores pragmáticos que vimos até aqui nos permitem perceber que a produção e a recepção de um texto dependem, em especial, de elementos não-textuais. Na próxima seção, você verá que a intertextualidade é um elemento que apresenta marcas textuais, dependendo, todavia, de outros fatores.