Immanuel Kant a pedagogia

 

Immanuel Kant

No século XVIII, a Revolução Francesa abriu as portas da Europa para outro tipo de humanismo, já que o humanismo cristão e o renascentista estavam mais preocupados com o ideal de homem que se queria criar: santos e heróis. Agora se pensa nas necessidades dos homens comuns, os quais precisam viver a vida real e não o futuro imaginado ou desejado do pós-vida ou das gerações futuras. A Revolução Francesa expôs os males da pobreza, da fome, da doença, que são muito mais emergentes do que o homem universal ou o homem sábio de Comenius e Montaigne.

Mas uma certeza permanece entre os modernos: a educação é capaz de propiciar uma melhora para a humanidade. Essa verdade, aceita por todos os pensadores da época, não só manteve a educação no centro das discussões sobre a organização da sociedade moderna como acentuou a necessidade de que as formas de educar fossem discutidas e ensinadas. Afinal, era preciso preparar homens que fossem capazes de ensinar. Por isso, ao fim do século, foram criadas as cadeiras de pedagogia nas universidades europeias, com a finalidade de que os egressos estivessem aptos a lecionar.

Immanuel Kant, filósofo prussiano (Alemanha), que nós já conhecemos em Filosofia da Educação, foi responsável pelo ensino de pedagogia na universidade de Colônia. Durante o período em que lecionou essa cadeira, deixou alguns apontamentos que foram publicados e se tornaram referência para pensar a arte de ensinar. Embora suas ideias possam ser classificadas como parte do ensino tradicional, sua contribuição tem sido reconsiderada pelos historiadores da educação.

Influenciado por Rousseau, Kant é um defensor da liberdade e considera que a educação tem por finalidade melhorar o homem. Entretanto, atingir a liberdade é uma tarefa difícil, pois exige que a reconheçamos racionalmente, o que significa compreender que a liberdade não pode entrar em contradição com a obrigatoriedade do dever. O filósofo vive num período em que estão ocorrendo inúmeras modificações na política, nas quais está em jogo a possibilidade da escolha das leis. Sua filosofia, que pretendeu compreender os limites da razão humana, parte do pressuposto de que existe uma regularidade em todas as coisas, seja na natureza, seja no funcionamento da mente humana. Nesse sentido, a educação deve ser concebida em conformidade a este princípio: é preciso descobrir como funciona o aprendizado e, a partir das regularidades desse processo, desenvolver um método de ensino. É fato entre os iluministas que aprender faz parte da natureza humana, é uma tendência natural, mas a pedagogia tem a finalidade de descobrir como tornar o aprendizado mais eficiente.

 

Para Kant, a liberdade é expressa na vida prática como autonomia, capacidade de fazer escolhas racionais. Mas, para isso, é preciso disciplinar as vontades individuais. Assim como Rousseau, que tratou a vontade como um elemento principal do caminho político, Kant construiu um caminho que tem por finalidade conciliar a vontade individual com o bem coletivo. A autonomia se constitui como um processo de aprendizado do uso da razão, a qual, por sua natureza lógica, reconhece o bem de todos como uma verdade.

Segundo Vera Bueno (2012), Kant propõe uma educação que prepara a criança para realizar o que é próprio da natureza humana: pensar. Assim como Montaigne e Comenius, recusa a memorização e a erudição como métodos que preparem o homem para a vida em sociedade. Sua concepção sobre a arte de ensinar compreende quatro etapas: a disciplina, a cultura, a civilidade e a moralidade.

Atento ao fato de que a natureza humana é composta da parte física e do intelecto, a educação deve atuar sobre essas duas instâncias. As três primeiras etapas referem-se à educação do corpo, sendo a disciplina direcionada especificamente à criança pequena. Esta deve ir para a escola para acostumar-se com o ambiente escolar e não para aprender conteúdos. Defende ainda que o educador deve apenas estar presente para evitar que elas se machuquem, pois a própria natureza racional da criança, típica da espécie humana, a impulsiona a aprender por si mesma e pelo convívio com os demais. Kant privilegia a ideia de liberdade enquanto autonomia, ou seja, a criança desde pequena deve ser livre para escolher e perceber as consequências de suas escolhas, entendendo o outro como limite para a sua ação.

É preciso, diz Kant, sobretudo cuidar para que a disciplina não trate as crianças como escravos, mas sim que faça que elas sintam sempre a sua liberdade, mas de modo a não ofender aos demais: daí que devam encontrar resistência. (KANT apud BUENO, 2012, p. 172).

No que tange à cultura, vale ressaltar que a palavra se refere ao verbo cultivar e não à erudição como estamos acostumados em língua portuguesa. Kant propõe que a criança brinque e pratique jogos, no modelo do que hoje chamamos de Educação Física. Consoante à ideia de que a educação do corpo precede a educação da mente, a atividade desportiva seria capaz de cultivar na criança sentimentos e habilidades que lhes serão úteis na vida e a preparariam para o uso da razão, como segurança, rapidez, capacidade de perceber e decidir. Essas habilidades serão úteis para o aprendizado da ciência, introduzindo noções como proporção, distância e grandeza. Além do mais, os jogos forçam as crianças a aprender o convívio social, a compreender as regras e a respeitá-las.

Quanto à civilidade, embora ele se refira como educação do corpo, entende que é o aprendizado das letras (ler e escrever) e das artes (tocar instrumentos). Escrever e tocar instrumentos, principalmente, dizem respeito ao controle do corpo e das emoções, o que prepara o homem para viver em sociedade, a conter seus impulsos e desenvolver a gentileza. Por último, a moralidade diz respeito à capacidade de fazer escolhas, compreendendo que a finalidade da razão é a ação boa.

Embora as ideias de Kant pareçam estranhas, principalmente porque seu vocabulário emprega as palavras num sentido muito diferente do que estamos acostumados, suas ideias inspiraram teóricos como Piaget, que acabamos de estudar em Psicologia da Aprendizagem. Repare como as quatro fases indicadas por Kant estão relacionadas aos quatro estágios do desenvolvimento cognitivo que estudamos em Psicologia da Aprendizagem.

No início deste tópico, dissemos que Kant muitas vezes aparece nos manuais de pedagogia como um teórico da escola tradicional, mas, quando compreendemos o uso de seu vocabulário, percebemos que suas ideias na verdade criticam os métodos da escola tradicional. Ao recusar a memorização e o castigo como elementos fundamentais do ensino, ele se alia aos renovadores. Sua postura conservadora reside no fato de que ele nos apresenta uma ideia essencialista do ser humano, ou seja, de que o homem é um ser racional e que tudo deve convergir para o desenvolvimento da razão. Entretanto, devemos ressaltar que essa também é uma visão simplista, pois, para quem conhece a obra do filósofo, é clara a ideia de que ele contribuiu, em sua Crítica à Razão, para desmistificar a ideia de que o conhecimento verdadeiro é o conhecimento das essências, como acreditava Platão.

Ao afirmar a racionalidade do ser humano, Kant quer enfatizar a possibilidade de agir em prol do bem da humanidade, em prol da transformação social. É com esse espírito que ele escreveu sobre a possibilidade de paz perpétua, entre várias de suas obras que incitam à busca de uma sociedade melhor.


Aula 01 - Fundamentos da didática primeiros pensadores (UFERSA – Letras)