Trabalho Improdutivo e Prestação de Serviços. Compra de Serviços nas Condições do Capitalismo Concepção Vulgar da Relação Entre Capital e Trabalho como Troca de Serviços

aulas da faculdade


Releva distinguir agora diversas questões.

Para mim tanto faz comprar uma calça ou comprar pano e mandar vir em casa um alfaiate a quem pago o serviço (isto é, trabalho de alfaiate) de converter o pano em calça, se o que está em jogo é apenas obtê-la. Compro a calça da alfaiataria que vende roupas feitas, em vez de mandar faze-la em casa, por ser cara esta solução, e custar menos à calça, ser mais barata, quando produzida pela alfaiataria capitalista. Mas, nos dois casos, transformo o dinheiro com que compro a calça não em capital e sim em calça, e nos dois casos trata-se para mim de utilizar o dinheiro como simples meio de circulação, isto é, convertê-lo nesse valor de uso particular. O dinheiro aí não exerce portanto a função de capital, embora num caso se troque por mercadoria e no outro compre o próprio trabalho como mercadoria. Só tem a função de dinheiro e, mais precisamente de meio de circulação.

Contudo, o alfaiate que vem a minha casa não é trabalhador produtivo, embora seu trabalho me forneça o produto, a calça, e a ele, o preço do trabalho, o dinheiro. É possível que a quantidade de trabalho que o alfaiate me fornece seja maior que a contida no preço que de mim recebe. E isso é mesmo provável, pois o preço de seu trabalho é determinado pelo preço que os alfaiates produtivos recebem. Mas esse assunto não me interessa. Uma vez dado o preço, para mim tanto faz que o alfaiate trabalhe 8 ou 10 horas. Trata-se apenas do valor de uso, a calça, e aí, tanto faz comprá-la de uma maneira ou de outra, meu interesse naturalmente é pagar o menos possível, mas num caso nem mais nem menos que no outro, noutras palavras, pagar o preço normal dela. Isso é uma despesa com meu consumo, diminuição, ao invés de acréscimo, de meu dinheiro. Não é meio de enriquecimento, nem o é tampouco qualquer outra maneira de despender dinheiro para meu consumo pessoal.

Um daqueles sabichões de Paul de Kock pode dizer-me que sem essa compra, como sem a compra de pão, não posso viver e, em conseqüência, não posso enriquecer-me; que ela portanto é um meio indireto ou pelo menos uma condição para meu enriquecimento. Da mesma maneira, a circulação do meu sangue e meu processo respiratório são condições para me enriquecer. Mas, por isso, nem a circulação do sangue nem o processo respiratório, por si mesmos, me enriquecem, e ambos, ao contrário, pressupõem um metabolismo que requer despesas elevadas, e não haveria pobres-diabos, caso ele não fosse necessário. A mera troca direta de dinheiro por trabalho, portanto, não transforma o dinheiro em capital ou o trabalho em trabalho produtivo.

Que então caracteriza essa troca? Por que meio distingui-la da troca de dinheiro por trabalho produtivo? De um lado, pela circunstância de o dinheiro ser despendido como dinheiro, forma autônoma do valor de troca, com o objetivo de se converter num valor de uso, em meio de subsistência, objeto de consumo pessoal. O dinheiro, portanto, não vira capital, mas, ao contrário, perde sua existência como valor de troca, para ser gasto, consumido como valor de uso. Por outro lado, o trabalho só me interessa como valor de uso, serviço que transforma pano em calça, o serviço que me proporciona a utilidade específica desse trabalho.

Ao revés, o serviço que o mesmo alfaiate, empregado pelo dono da alfaiataria presta a esse capitalista não consiste em converter pano em calça, mas em ser o tempo de trabalho necessário, materializado numa calça = 12 horas de trabalho, e a remuneração que recebe = 6 horas. O serviço que lhe presta consiste, portanto, em trabalhar de graça 6 horas. Que isso aconteça sob a forma de confecção de calças apenas dissimula a verdadeira relação. O dono da alfaiataria, logo que possa, procura por isso converter de novo calça em dinheiro, isto é, numa forma em que desaparece por completo o caráter determinado do trabalho de alfaiate, e o serviço prestado consiste em ter substituído o tempo de trabalhe de 6 horas, configurado em determinada soma de dinheiro, pelo tempo de trabalho de 12 horas, expresso no dobro daquela soma de dinheiro.

Compro o trabalho de alfaiate em virtude do serviço que presta como trabalho de alfaiate, para satisfazer minha necessidade de vestuário, ou seja, uma das minhas necessidades. O dono da alfaiataria compra-o para fazer 2 táleres com 1. Compro-o por produzir determinado valor de uso, por prestar determinado serviço. Ele o compra por fornecer mais valor de troca do que custa, como simples meio de permutar menos trabalho por mais trabalho.

Quando o dinheiro se troca diretamente pelo trabalho, sem produzir capital e sem ser, portanto, produtivo, compra-se o trabalho como serviço, o que de modo geral não passa de uma expressão para o valor de uso especial que o trabalho proporciona como qualquer outra mercadoria; mas expressão especifica para o valor de uso particular do trabalho, no sentido de este prestar serviços não na forma de coisa e sim na de atividade, o que, entretanto, de modo nenhum o distingue, digamos, de uma máquina, um relógio. Dou para que faças, faço para que faças, faço para que dês, dou para que dês(130) são aí formas da mesma relação, com validade igual, enquanto na produção capitalista o "dou para que faças" exprime relação muito específica entre o valor material que é dado e a atividade viva de que o capitalista se apropria. Naquela compra de serviços não se contém a relação específica entre trabalho e capital, de todo apagada ou mesmo inexistente, e esta é naturalmente a razão por que é a forma predileta de Say, Bastiat e quejandos, para expressar a relação entre capital e trabalho.

Como o valor desses serviços é regulado e como esse próprio valor é determinado pelas leis dos salários é questão que nada tem a ver com a pesquisa sobre a relação em exame e pertence à esfera do salário. Infere-se daí que a mera troca de dinheiro por trabalho não transforma este em trabalho produtivo, e ademais que não faz diferença, de início, o conteúdo desse trabalho.

O próprio trabalhador pode comprar trabalho, isto é, mercadorias fornecidas na forma de serviços, e o dispêndio de seu salário nesses serviços é dispêndio que de modo nenhum se distingue do dispêndio do salário em quaisquer outras mercadorias. Os serviços que compra podem ser mais ou menos necessários, por exemplo, o serviço do médico do sacerdote, e do mesmo modo pode comprar pão ou aguardente. Como comprador - isto é, representante de dinheiro em face da mercadoria - o trabalhador está na mesma categoria do capitalista quando este aparece apenas como comprador, ou seja, trata-se apenas de converter o dinheiro à forma de mercadoria. Como é determinado o preço desses serviços e que relação tem com o salário propriamente dito, até onde é, ou não, regulado pelas leis deste, são questões a examinar ao se tratar do salário e sem o menor interesse para nossa pesquisa atual.

Assim, se a mera troca entre dinheiro e trabalho não converte este em trabalho produtivo ou, o que dá no mesmo, não transforma aquele em capital, também não importa aí, segundo evidência inicial, o conteúdo, o caráter concreto, a utilidade particular do trabalho, conforme vimos, pois o mesmo trabalho do mesmo alfaiate se revela, num caso, produtivo e, no outro, improdutivo.

Certos serviços ou os valores de uso resultantes de certas atividades ou trabalhos corporificam-se em mercadorias, outros ao contrário, não deixam resultado palpável, distinto da própria pessoa que os executa; quer dizer, o resultado não é mercadoria vendável Por exemplo, o serviço que um cantor me presta satisfaz minha necessidade estética, mas o que fruo só existe numa ação inseparável do próprio cantor, e logo que o seu trabalho, o canto, cessa, também acaba minha fruição. Fruo a própria atividade - a reverberação dela em meus ouvidos. Esses mesmos serviços, como a mercadoria, podem ser ou apenas parecer necessários, por exemplo, o serviço de um soldado, médico ou advogado, ou podem ser serviços que me propiciam prazeres. Isso nada altera sua natureza econômica. Se estou com saúde e não preciso de médico ou tenho a sorte de não ser obrigado a me envolver numa questão, evito, como se fosse a peste, despender dinheiro em serviços médicos ou jurídicos. Os serviços podem ser impostos - os serviços oficiais obrigatório etc.

Se compro o serviço de um professor para desenvolver minhas faculdades, mas para adquirir aptidões que me possibilitem ganhar dinheiro - ou se outros compram para mim esse professor - e se de fato aprendo alguma coisa (e isso, em si, em nada depende do pagamento do serviço), esses custos de educação, como os de meu sustento, pertencem aos custos de produção da minha força de trabalho. Mas, a utilidade particular desse serviço em nada altera a relação econômica; não se trata aí de relação em que transformo o dinheiro em capital ou por meio da qual o supridor do serviço, o professor me converte em seu capitalista, seu patrão. Por isso, para a determinação econômica dessa relação não importa que o médico me cure, o professor tenha sucesso no ensino, o advogado ganhe a causa. O que se paga é a prestação do serviço como tal, cujo resultado, dado o caráter do serviço, não pode ser garantido por quem o presta. Grande parte dos serviços pertence aos custos de consumo de mercadorias, como os de cozinheira, criada etc.

É característico de todos os trabalhos improdutivos a circunstância de estarem ao meu dispor - como a compra de todas as outras mercadorias de consumo - na mesma proporção em que exploro trabalhadores produtivos. Por isso, de todas as pessoas, a que tem menos comando sobre os serviços de trabalhadores improdutivos é o trabalhador produtivo, embora em regra tenha de pagar por serviços compulsórios (Estado, impostos) - Ao revés, meu poder de empregar trabalhadores produtivos não cresce, mas; ao contrário, decresce na proporção em que emprego trabalhadores improdutivos.

Os próprios - trabalhadores produtivos podem ser para mim trabalhadores improdutivos. Por exemplo, mando forrar de papel as paredes de minha casa, e os forradores são assalariados de um patrão que me vende essa atividade: para mim trata-se de uma compra como seria a da casa com as paredes forradas, trata-se de um dispêndio de dinheiro em mercadoria para meu consumo; mas, para o patrão que manda esses trabalhadores forrar as paredes, são eles trabalhadores produtivos, pois lhe fornecem mais-valia. Quão improdutivo, do ângulo da produção capitalista, é o trabalhador que produz mercadoria vendável - mas só até o montante correspondente a sua força de trabalho, sem fornecer mais-valia ao capital, pode-se ver em Ricardo nas passagens onde diz que o mero existir dessa gente é uma praga. 114 Essa é a teoria e a prática do capital.

"Tanto a teoria relativa ao capital quanto à prática de parar o trabalho no ponto onde produza lucro para o capitalista, além de manter o trabalhador, parecem se opor às leis naturais que regulam a produção" (Th. Hodgskin, Pop. Polit. Econ., Londres,1827, p. 238). Processo de produção do capital. Já vimos: esse processo de produção não é só processo de produção de mercadorias, mas também processo de produção de mais-valia, absorção de trabalho excedente e, por isso, processo de produção de capital. O primeiro ato de troca formal de dinheiro por trabalho ou de capital por trabalho é apenas potencialmente ato de apropriar-se de trabalho vivo alheio por meio de trabalho materializado. O processo de apropriação efetiva só ocorre no processo de produção efetiva, que tem atrás de si, consumada, aquela primeira transação formal em que capitalista e trabalhador se confrontam, um ao outro, na qualidade de meros donos de mercadorias, de comprador e vendedor. Eis porque todos os economistas vulgares não passam daquela primeira transação - como Bastiat -, justamente para escamotear a relação específica. Na troca de dinheiro por trabalho improdutivo, a diferença aparece de maneira contundente. Aí dinheiro e trabalho se trocam apenas na condição de mercadoria. A troca, nesse caso, ao invés de produzir capital, é dispêndio de renda.

Manuscritos Econômicos de Marx de 1861 a 1863