O Trabalho dos Artesãos e Camponeses na Sociedade Capitalista

aulas da faculdade


Mas que sucede então aos artesãos ou camponeses independentes que não empregam trabalhadores e por isso não produzem na qualidade de capitalistas? E como sempre ocorre com os camponeses (mas não no caso, por exemplo, em que contrato, para minha casa, o serviço de um jardineiro), são eles produtores de mercadorias, e lhes compro as mercadorias, - ai nada se altera, por exemplo, com a circunstância de o artesão fornecê-las por encomenda, e de o camponês produzir sua oferta na medida dos meios de que dispõe. Nessa relação confrontam-me como vendedores de mercadorias e não de trabalho, e tal relação, portanto, nada tem a ver com troca de capital por trabalho, nem com a diferença entre trabalho produtivo e improdutivo, a qual deriva meramente da alternativa de o trabalho se trocar por dinheiro como dinheiro ou por dinheiro como capital. Por isso, não pertencem à categoria do trabalhador produtivo nem a do improdutivo, embora sejam eles produtores de mercadorias. Mas sua produção não está subsumida ao modo de produção capitalista.

É possível que esses produtores que trabalham com meios de produção próprios reproduzam sua própria força de trabalho e, além disso, criem mais-valia, permitindo-lhes sua posição se apropriarem do próprio trabalho excedente ou de parte dele (desde que lhes tomem parte na forma de impostos etc.) - E aí encontramos uma peculiaridade, característica de uma sociedade onde predomina um modo de produção definido, embora não lhe estejam ainda subordinadas todas as relações de produção. Na sociedade feudal, por exemplo, na Inglaterra - onde se pode estuda-la melhor, pois o feudalismo, introduzido pelos normandos, pronto e acabado, teve sua forma impressa numa base social diferente em muitos aspectos - as relações estranhas à essência desse sistema receberam também um timbre feudal; por exemplo, meras relações de dinheiro em que não há vestígio de serviços pessoais mútuos entre suserano e vassalos. Ficção, por exemplo, o pequeno camponês possuir sua terra por via de instituto feudal. O mesmo se dá no modo de produção capitalista. O camponês ou o artesão independentes são divididos em duas pessoas.

"Nas pequenas empresas o patrão é muitas vezes seu próprio trabalhador" (Storch, t. I, ed. de Petersburgo,

p. 242).

Como possuidor dos meios de produção é capitalista, como trabalhador é assalariado de si mesmo. Como

capitalista paga o salário a si mesmo e extrai o lucro de seu capital, isto é, explora a si mesmo como

assalariado e se paga com a mais-valia o tributo que o trabalho deve ao capital. Talvez ainda se pague

uma terceira parte como dono da terra (renda fundiária), do mesmo modo que, como veremos mais tarde,

o capitalista industrial, quando trabalha com capital próprio, paga juros a si mesmo, considerados como

coisa que deve a sua pessoa não como capitalista industrial, mas como capitalista puro e simples.

A destinação econômico-social dos meios de produção na produção capitalista - expressando determinada relação de produção - se entrelaça tanto com a existência material desses meios de produção como tais e, segundo o modo de ver da sociedade burguesa, é dela tão inseparável, que aquela destinação (destinação categórica) é também aplicada onde à relação diretamente a contradiz. Os meios de produção só se tornam capital, ao ficarem independentes, como força autônoma em face do trabalho. No caso referido, o produtor - o trabalhador - é possuidor, proprietário dos meios de produção. Esses meios não são capital, nem o produtor perante eles é assalariado. Não obstante são considerados capital, e o próprio produtor se biparte e, desse modo, como capitalista emprega a si mesmo como assalariado.

Na realidade, essa concepção, por mais irracional que seja à primeira vista, é contudo correta ate certo ponto. Sem dúvida, o produtor cria, no caso considerado, a própria mais-valia (supõe-se que vende sua mercadoria pelo valor), ou seja, o produto todo só materializa o próprio trabalho. Poder ele, porém, tomar para si mesmo o produto inteiro do próprio trabalho e um terceiro, o patrão, não se apropriar do excesso do valor do produto acima do preço médio de sua jornada de trabalho, é mercê que deve não a seu trabalho - que não o distingue de outros trabalhadores - e sim à propriedade dos meios de produção. Assim, é por força da propriedade destes que se apodera do próprio trabalho excedente e, como seu próprio capitalista, consigo mesmo se relaciona na qualidade de assalariado.

A dissociação patenteia-se a relação normal nessa sociedade. Onde não se verifica de fato, presume-se que exista e, como acabamos de ver, de maneira correta até certo ponto; pois (distinguindo-se, por exemplo, de condições existentes em Roma Antiga, Noruega ou Noroeste dos Estados Unidos) o que aparece aqui como fortuito é a união, e como normal, a dissociação: daí manter-se a dissociação como relação, mesmo quando a pessoa congrega as diferentes funções. Sobressai ai de maneira contundente a circunstância de o capitalista como tal ser apenas função do capital e o trabalhador, função da força de trabalho.

É pois lei que o desenvolvimento econômico reparta essas funções por pessoas diferentes; e o artesão ou camponês, que produz com os próprios meios de produção, ou se transformará pouco a pouco num pequeno capitalista, que também explora trabalho alheio, ou perderá seus meios de produção (de início, isso pode ocorrer, embora permaneça proprietário nominal, como no sistema de hipotecas) e se converterá em trabalhador assalariado. Esta é a tendência na forma de sociedade onde predomina o modo de produção capitalista.

Fonte: Manuscritos Econômicos de Marx de 1861 a 1863