O produto – a propriedade do capitalista – é um valor de uso, como o fio, as botas etc. Mas apesar de as botas, por exemplo, constituírem, de certo modo, a base do progresso social e nosso capitalista ser um “progressista” convicto, ele não as fabrica por elas mesmas. Na produção de mercadorias, o valor de uso não é, de modo algum, a coisa qu’on aime pour lui-même [que se ama por ela mesma]. Aqui, os valores de uso só são produzidos porque e na medida em que são o substrato material, os suportes do valor de troca. E, para nosso capitalista, trata-se de duas coisas.
Primeiramente, ele quer produzir um valor de uso que tenha um valor de troca, isto é, um artigo destinado à venda, uma mercadoria. Em segundo lugar, quer produzir uma mercadoria cujo valor seja maior do que a soma do valor das mercadorias requeridas para sua produção, os meios de produção e a força de trabalho, para cuja compra ele adiantou seu dinheiro no mercado. Ele quer produzir não só um valor de uso, mas uma mercadoria; não só valor de uso, mas valor, e não só valor, mas também mais-valor. Porque se trata aqui da produção de mercadorias, consideramos, até este momento, apenas um aspecto do processo.
Assim como a própria mercadoria é unidade de valor de uso e valor, seu processo de produção tem de ser a unidade de processo de trabalho e o processo de formação de valor. Vejamos, agora, o processo de produção também como processo de formação de valor. Sabemos que o valor de toda mercadoria é determinado pela quantidade de trabalho materializado em seu valor de uso, pelo tempo de trabalho socialmente necessário a sua produção. Isso vale também para o produto que reverte para nosso capitalista como resultado do processo de trabalho. A primeira tarefa é, portanto, calcular o trabalho objetivado nesse produto.
Tomemos como exemplo o fio. Para a produção do fio foi necessária, primeiramente, sua matéria-prima, por exemplo, 10 libras de algodão. Nesse caso, não precisamos investigar o valor do algodão, pois supomos que o capitalista o tenha comprado no mercado pelo valor de, digamos, 10 xelins. No preço do algodão, o trabalho requerido para sua produção já está incorporado como trabalho socialmente necessário. Suponhamos, além disso, que a quantidade de fusos consumida no processamento do algodão, que representa para nós todos os outros meios de trabalhos empregados nessa produção, tenha um valor de 2 xelins. Se uma quantidade de ouro de 12 xelins é o produto de 24 horas de trabalho ou de 2 jornadas de trabalho, conclui-se, então, que no fio estão objetivadas duas jornadas de trabalho.
Não podemos nos deixar confundir pela circunstância de o algodão ter alterado sua forma e uma determinada quantidade de fusos ter desaparecido completamente. De acordo com a lei geral do valor, se o valor de 40 libras de fio = ao valor de 40 libras de algodão + o valor de um fuso inteiro, isto é, se o mesmo tempo de trabalho é necessário para produzir cada um dos dois lados dessa equação, então 10 libras de fio equivalem a 10 libras de algodão e 1/4 de fuso. Nesse caso, o mesmo tempo de trabalho se expressa, de um lado, no valor de uso do fio e, de outro, nos valores de uso do algodão e do fuso. O valor permanece o mesmo, não importando onde ele aparece, se no fio, no fuso ou no algodão.
O fato de que o fuso e o algodão, em vez de 194 permanecerem em repouso um ao lado do outro, integrem conjuntamente o processo de fiação, que modifica suas formas de uso e os transforma em fio afeta tão pouco seu valor quanto seria o caso se eles tivessem sido trocados por um equivalente em fio. O tempo de trabalho requerido para a produção do algodão, que é a matéria-prima do fio, é parte do tempo de trabalho requerido para a produção do fio e, por isso, está contido neste último. O mesmo se aplica ao tempo de trabalho requerido para a produção da quantidade de fusos cujo desgaste ou consumo é indispensável à fiação do algodão.
Assim, quando se considera o valor do fio, ou o tempo de trabalho requerido para sua produção, todos os diferentes processos particulares de trabalho, que, separados no tempo e no espaço, têm de ser realizados para, primeiramente, produzir o próprio algodão e a quantidade de fusos necessária à fiação e, posteriormente, para obter o fio a partir do algodão e dos fusos, podem ser considerados fases diferentes e sucessivas de um e mesmo processo de trabalho. Todo o trabalho contido no fio é trabalho passado.
Que o tempo de trabalho requerido para a produção de seus elementos constitutivos tenha ocorrido anteriormente, que ele se encontre no tempo mais que perfeito, enquanto o trabalho imediatamente empregado no processo final, na fiação, encontra-se mais próximo do presente, no passado perfeito, é uma circunstância totalmente irrelevante. Se uma quantidade determinada de trabalho, por exemplo, 30 jornadas de trabalho, é necessária para a construção de uma casa, o fato de que a última jornada de trabalho seja realizada 29 dias depois da primeira jornada é algo que não altera em nada a quantidade total de tempo de trabalho incorporado na casa.
E, desse modo, o tempo de trabalho contido no material e nos meios de trabalho pode ser considerado como se tivesse sido gasto num estágio anterior do processo de fiação, antes de iniciado o trabalho final, sob a forma da fiação propriamente dita. Os valores dos meios de produção, isto é, do algodão e do fuso, expressos no preço de 12 xelins, são, assim, componentes do valor do fio ou do valor do produto. Apenas duas condições têm de ser satisfeitas. Em primeiro lugar, é necessário que o algodão e o fuso tenham servido efetivamente à produção de um valor de uso. É preciso que, no caso presente, eles tenham sido transformados em fio.
Para o valor, é indiferente qual valor de uso particular o fio possui; ele tem, no entanto, de possuir algum valor de uso. Em segundo lugar, pressupõe-se que o tempo de trabalho empregado não ultrapasse o tempo necessário de trabalho sob dadas condições sociais de produção. Portanto, se apenas 1 libra de algodão é necessária para fiar 1 libra de fio, então não se deve consumir mais do que 1 libra de algodão na produção de 1 libra de fio. A mesma regra se aplica ao fuso. Mesmo que o capitalista tenha a fantasia de, em vez de fusos de ferro, empregar fusos de ouro na produção, o único trabalho que conta no valor do fio é o trabalho socialmente necessário, isto é, o tempo de trabalho necessário para a produção de fusos de ferro. Sabemos, agora, qual a parte do valor do fio que é formada pelos meios de produção, pelo algodão e pelo fuso.
Ela soma 12 xelins, ou a materialização de duas jornadas de trabalho. Trata-se, agora, de determinar a parte do valor que o trabalho do próprio fiandeiro acrescenta ao algodão. Devemos, aqui, considerar esse trabalho sob um aspecto totalmente distinto 195 daquele que ele assume durante o processo de trabalho. Lá, tratava-se da atividade orientada à transformação do algodão em fio. Quanto mais o trabalho é orientado a esse fim, tanto melhor é o fio, pressupondo-se inalteradas todas as demais circunstâncias.
O trabalho do fiandeiro é especificamente distinto dos outros trabalhos produtivos, e a diferença se revela subjetiva e objetivamente na finalidade particular do ato de fiar, em seu modo particular de operação, na natureza particular de seus meios de produção, no valor de uso particular de seu produto. Algodão e fuso servem como meios de subsistência do trabalho de fiação, mas com eles não se podem produzir canhões. Na medida em que o trabalho do fiandeiro cria valor, isto é, é fonte de valor, ele não difere em absolutamente nada do trabalho do produtor de canhões, ou, para empregar um exemplo que nos é mais próximo, do trabalho – incorporado nos meios de produção do fio – dos plantadores de algodão e dos produtores de fusos.
É apenas em razão dessa identidade que o plantio de algodão, a fabricação de fusos e a fiação podem integrar o mesmo valor total, o valor do fio, como partes que se diferenciam umas das outras apenas quantitativamente. Não se trata mais, aqui, da qualidade, do caráter e do conteúdo específicos do trabalho, mas apenas de sua quantidade. É apenas esta última que cabe calcular. Supomos, aqui, que o trabalho de fiação é trabalho simples, trabalho social médio. Veremos posteriormente que a suposição contrária não altera em nada a questão. Durante o processo de trabalho, este passa constantemente da forma da inquietude [Unruhe] à forma do ser, da forma de movimento para a de objetividade.
Ao final de 1 hora, o movimento da fiação está expresso numa certa quantidade de fio, o que significa que uma determinada quantidade de trabalho, 1 hora de trabalho, está objetivada no algodão. Dizemos hora de trabalho, isto é, dispêndio da força vital do fiandeiro durante 1 hora, pois o trabalho de fiação só tem validade aqui como dispêndio de força de trabalho, e não como trabalho específico de fiação. Durante o processo, isto é, durante a transformação do algodão em fio, é de extrema importância que não seja consumido mais do que o tempo de trabalho socialmente necessário.
Se, sob condições sociais normais de produção, isto é, médias, uma quantidade de a libras de algodão é transformada em b libras de fio durante 1 hora de trabalho, só se pode considerar como jornada de trabalho de 12 horas aquela em que 12 × a libras de algodão são transformadas em 12 × b libras de fio, pois apenas o tempo de trabalho socialmente necessário é computado na formação do valor. Assim como o próprio trabalho, também a matéria-prima e o produto aparecem, aqui, de um modo totalmente distinto daquele em que se apresentam no processo de trabalho propriamente dito.
A matéria-prima é considerada, aqui, apenas como matéria que absorve uma quantidade determinada de trabalho. Por meio dessa absorção, ela se transforma, de fato, em fio, porque a força de trabalho, na forma da fiação, é despendida e adicionada a ela. Mas o produto, o fio, é agora nada mais do que uma escala de medida do trabalho absorvido pelo algodão. Se em 1 hora 12/3 libra de algodão é fiada e transformada em 12/3 libra de fio, então 10 libras de fio indicam a absorção de 6 horas de trabalho. Quantidades determinadas de produto, fixadas pela experiência, não representam agora mais do que quantidades determinadas de trabalho, massas determinadas de tempo de trabalho cristalizado. Não são mais do 196 que a materialização de 1 hora, 2 horas, 1 dia de trabalho social.
Que o trabalho seja a fiação, seu material o algodão e seu produto o fio é aqui tão indiferente quanto o fato de o material do trabalho ser ele próprio um produto e, portanto, matéria-prima. Se o trabalhador, em vez de fiar, trabalhasse na mineração de carvão, o material do trabalho, o carvão, seria fornecido pela natureza. No entanto, uma quantidade determinada de carvão minerado, por exemplo, 1 quintal, representaria uma quantidade determinada de trabalho absorvido. Ao tratar da venda da força de trabalho, supusemos que o valor diário da força de trabalho = 3 xelins e que nele estão incorporadas 6 horas de trabalho, sendo esta, portanto, a quantidade de trabalho requerida para produzir a quantidade média dos meios de subsistência diários do trabalhador.
Assim, se em 1 hora de trabalho nosso fiandeiro transforma 12/3 libra de algodão em 12/3 de fio12, em 6 horas de trabalho ele transformará 10 libras de algodão em 10 libras de fio. Durante o processo de fiação, portanto, o algodão absorve 6 horas de trabalho. Esse mesmo tempo de trabalho é expresso numa quantidade de ouro de 3 xelins. Assim, por meio da fiação, acrescenta se ao algodão um valor de 3 xelins. Vejamos, então, o valor total do produto, as 10 libras de fio, nas quais estão objetivadas 2½ jornadas de trabalho: 2 jornadas de trabalho contidas no algodão e nos fusos, mais ½ jornada absorvida no processo de fiação.
O mesmo tempo de trabalho representa-se em 15 xelins de ouro. Desse modo, o preço adequado às 10 libras de fio é 15 xelins, e o preço de 1 libra de fio é 1 xelim e 6 pence. Nosso capitalista fica perplexo. O valor do produto é igual ao valor do capital adiantado. O valor adiantado não se valorizou, não gerou mais-valor e, portanto, não se transformou em capital. O preço das 10 libras de fio é 15 xelins, e 15 xelins foram desembolsados no mercado em troca dos elementos constitutivos do produto, ou, o que é o mesmo, dos fatores do processo de trabalho: 10 xelins pelo algodão, 2 xelins pelos fusos e 3 xelins pela força de trabalho.
O valor dilatado do fio não serve para nada, pois seu valor é apenas a soma dos valores anteriormente distribuídos no algodão, nos fusos e na força de trabalho, e do valor obtido com essa simples adição jamais poderia resultar um mais-valor 13. Tais valores estão concentrados, agora, numa única coisa; mas eles já o estavam na soma de 15 xelins, antes que esta se fragmentasse em três compras de mercadorias. Não há, na realidade, nada estranho nesse resultado. Como o valor de 1 libra de fio é 1 xelim e 6 pence, por 10 libras de fio o capitalista teria de pagar 15 xelins no mercado. Quer ele compre sua casa pronta no mercado, que a mande construir, nenhuma dessas operações fará crescer o dinheiro investido na aquisição da casa.
É possível que o capitalista, instruído pela economia vulgar, diga que adiantou seu dinheiro com a intenção de fazer mais dinheiro. Mas o caminho para o inferno é pavimentado com boas intenções, e sua intenção poderia ser, igualmente, a de fazer dinheiro sem produzir nada14. Ele ameaça todo tipo de coisa e está resolvido a não se deixar apanhar novamente. De agora em diante, em vez de ele próprio fabricá-la, comprará a mercadoria pronta no mercado. Mas se todos os seus irmãos capitalistas fizerem o mesmo, onde ele encontrará mercadoria no mercado? E dinheiro ele não pode comer. Prega, então, um sermão. Diz que é preciso levar em conta sua abstinência.
Ele poderia ter desbaratado seus 15 xelins. Em vez disso, consumiu-os produtivamente e transformou-os em fio, e justamente por isso ele possui agora o fio, e não a consciência pesada. Ele não precisa se rebaixar ao papel do entesourador, que já nos mostrou a que fim leva tal ascetismo. Além disso, como diz o provérbio: onde não há, el-rei o perde. Qualquer que seja o mérito de sua abstinência, não há nada com o que se possa recompensá-la, pois o valor do produto que resulta do processo não é mais do que a soma dos valores das mercadorias lançadas na produção. Portanto, que ele se contente com o pensamento de que a virtude compensa. Em vez disso, ele continua a importunar. O fio, diz, não lhe serve de nada.
Ele o produziu para a venda. Que assim seja, então! Que ele venda o fio, ou, ainda mais simplesmente, que ele produza, de agora em diante, apenas coisas para sua própria necessidade, uma receita que seu médico MacCulloch já lhe havia prescrito como meio comprovado contra a epidemia da superprodução. Ele se empertiga, desafiante, apoiando-se nas patas traseiras. Poderia o trabalhador, apenas com seus próprios meios corporais, criar no éter configurações do trabalho, mercadorias? Não é verdade que ele, nosso capitalista, forneceu ao trabalhador os materiais com os quais – e nos quais – ele pode dar corpo a seu trabalho?
E considerando-se que a maior parte da sociedade consiste de tais pés rapados [Habenichtsen], não prestou ele um inestimável serviço à sociedade por meio de seus meios de produção, seu algodão e seus fusos, para não falar do serviço prestado ao próprio trabalhador, a quem ele, além de tudo, ainda guarneceu dos meios de subsistência? E não deve ele cobrar por esse serviço prestado? Além do mais, não se trata, aqui, de serviços15. Um serviço nada mais é do que o efeito útil de um valor de uso, seja da mercadoria, seja do trabalho16. Mas aqui se trata do valor de troca.
O capitalista pagou ao trabalhador o valor de 3 xelins, e este lhe retribuiu com um equivalente exato: o valor de 3 xelins adicionado ao algodão. Trocou-se valor por valor. E eis que nosso amigo, até aqui tão soberbo, assume repentinamente a postura modesta de seu próprio trabalhador. Ele próprio, o capitalista, não trabalhou? Não realizou ele o trabalho de controle e supervisão do tecelão? E esse seu trabalho também não gera valor? Mas seu próprio overlooker [supervisor] e seu gerente dão de ombros.
Enquanto isso, ele já assumiu, com um largo sorriso, sua fisionomia usual. Ele nos rezou toda essa ladainha, mas não dá por ela nem um tostão. Esses e outros subterfúgios e truques baratos ele deixa aos professores de economia política, que são pagos para isso. J á ele, ao contrário, é um homem prático, que nem sempre sabe o que diz quando se encontra fora de seu negócio, mas sabe muito bem o que faz dentro dele. Vejamos a questão mais de perto. O valor diário da força de trabalho é de 3 xelins porque nela própria está objetivada meia jornada de trabalho, isto é, porque os meios de subsistência necessários à produção diária da força de trabalho custam meia jornada de trabalho.
Mas o trabalho anterior, que está incorporado na força de trabalho, e o trabalho vivo que ela pode prestar, isto é, seus custos diários de manutenção e seu dispêndio diário, são duas grandezas completamente distintas. A primeira determina seu valor de troca, a segunda constitui seu valor de uso. O fato de que meia jornada de trabalho seja necessária para manter o trabalhador vivo por 24 horas de modo algum o impede de trabalhar uma jornada inteira. O valor da força de trabalho e sua valorização no processo de trabalho são, portanto, duas grandezas distintas.
É essa diferença de valor que o capitalista tem em vista quando compra a força de trabalho. Sua qualidade útil, sua capacidade de produzir fio ou botas, é apenas uma conditio sine qua non [condição indispensável], já que o trabalho, para criar valor, tem necessariamente de ser despendido de modo útil. Mas o que é decisivo é o valor de uso específico dessa mercadoria, o fato de ela ser fonte de valor, e de mais valor do que aquele que ela mesma possui. Esse é o serviço específico que o capitalista espera receber dessa mercadoria e, desse modo, ele age de acordo com as leis eternas da troca de mercadorias.
Na verdade, o vendedor da força de trabalho, como o vendedor de qualquer outra mercadoria, realiza seu valor de troca e aliena seu valor de uso. Ele não pode obter um sem abrir mão do outro. O valor de uso da força de trabalho, o próprio trabalho, pertence tão pouco a seu vendedor quanto o valor de uso do óleo pertence ao comerciante que o vendeu. O possuidor de dinheiro pagou o valor de um dia de força de trabalho; a ele pertence, portanto, o valor de uso dessa força de trabalho durante um dia, isto é, o trabalho de uma jornada.
A circunstância na qual a manutenção diária da força de trabalho custa apenas meia jornada de trabalho, embora a força de trabalho possa atuar por uma jornada inteira, e, consequentemente, o valor que ela cria durante uma jornada seja o dobro de seu próprio valor diário – tal circunstância é, certamente, uma grande vantagem para o comprador, mas de modo algum uma injustiça para com o vendedor. Nosso capitalista previu esse estado de coisas, e o caso o faz rir. O trabalhador encontra na oficina os meios de produção necessários não para um processo de trabalho de 6, mas de 12 horas. Assim como 10 libras de algodão absorveram 6 horas de trabalho e se transformaram em 10 libras de fio, 20 libras de algodão absorverão 12 horas de trabalho e se transformarão em 20 libras de fio. Consideremos o produto do processo prolongado de trabalho.
Nas 20 libras de fio estão objetivadas, agora, 5 jornadas de trabalho, das quais 4 foram empregadas na produção do algodão e dos fusos e 1 foi absorvida pelo algodão durante o processo de fiação. A expressão em ouro das 5 jornadas de trabalho é 30 xelins ou £1 e 10 xelins. Esse é, portanto, o preço das 20 libras de fio. A libra de fio continua a custar 1 xelim e 6 pence, mas a quantidade de valor das mercadorias lançadas no processo soma 27 xelins. O valor do fio é de 30 xelins. O valor do produto aumentou 1/9 sobre o valor adiantado em sua produção.
Desse modo, 27 xelins transformaram-se em 30 xelins, criando um mais-valor de 3 xelins. No final das contas, o truque deu certo. O dinheiro converteu-se em capital. Todas as condições do problema foram satisfeitas, sem que tenha ocorrido qualquer violação das leis da troca de mercadorias. Trocou-se equivalente por equivalente. Como comprador, o capitalista pagou o devido valor por cada mercadoria: algodão, fusos, força de trabalho. Em seguida, fez o mesmo que costuma fazer todo comprador de mercadorias: consumiu seu valor de uso.
Do processo de consumo da força de trabalho, que é ao mesmo tempo processo de produção da mercadoria, resultou um produto de 20 libras de fio com um valor de 30 xelins. Agora, o capitalista retorna ao mercado, mas não para comprar, como antes, e sim para vender mercadoria. Ele vende a libra de fio por 1 xelim e 6 pence, nem um centavo acima ou abaixo de seu valor. E, no entanto, ele tira de circulação 3 xelins a mais do que a quantia que nela 199 colocou. Esse ciclo inteiro, a transformação de seu dinheiro em capital, ocorre no interior da esfera da circulação e, ao mesmo tempo, fora dela. Ele é mediado pela circulação, porque é determinado pela compra da força de trabalho no mercado.
Mas ocorre fora da circulação, pois esta apenas dá início ao processo de valorização, que tem lugar na esfera da produção. E assim está “tout pour le mieux dans le meilleur des mondes possibles” [Tudo ocorre da melhor maneira ao melhor dos mundos possíveis]e. Ao transformar o dinheiro em mercadorias, que servem de matérias para a criação de novos produtos ou como fatores do processo de trabalho, ao incorporar força viva de trabalho à sua objetividade morta, o capitalista transforma o valor – o trabalho passado, objetivado, morto – em capital, em valor que se autovaloriza, um monstro vivo que se põe a “trabalhar” como se seu corpo estivesse possuído de amor.
Ora, se compararmos o processo de formação de valor com o processo de valorização, veremos que este último não é mais do que um processo de formação de valor que se estende para além de certo ponto. Se tal processo não ultrapassa o ponto em que o valor da força de trabalho pago pelo capital é substituído por um novo equivalente, ele é simplesmente um processo de formação de valor. Se ultrapassa esse ponto, ele se torna processo de valorização. Se, além disso, compararmos o processo de formação de valor com o processo de trabalho, veremos que este último consiste no trabalho útil, que produz valores de uso.
O movimento é, aqui, considerado qualitativamente, em sua especificidade, segundo sua finalidade e conteúdo. O mesmo processo de trabalho se apresenta, no processo de formação de valor, apenas sob seu aspecto quantitativo. Aqui, o que importa é apenas o tempo que o trabalho necessita para a sua operação, ou o período durante o qual a força de trabalho é despendida de modo útil. As mercadorias que tomam parte no processo também deixam de importar como fatores materiais, funcionalmente determinados, da força de trabalho que atua orientada para um fim.
Elas importam tão somente como quantidades determinadas de trabalho objetivado. Se contido nos meios de produção ou adicionado pela força de trabalho, o trabalho só importa por sua medida temporal. Ele dura tantas horas, dias etc. No entanto, o trabalho só importa na medida em que o tempo gasto na produção do valor de uso é socialmente necessário, o que implica diversos fatores. A força de trabalho tem de funcionar sob condições normais. Se a máquina de fiar é o meio de trabalho dominante na fiação, seria absurdo fornecer ao trabalhador uma roda de fiar.
Ou, em vez de algodão de qualidade normal, fornecer-lhe um refugo de algodão, que a toda hora arrebenta. Em ambos os casos, seu trabalho ocuparia um tempo de trabalho maior do que o tempo socialmente necessário para a produção de 1 libra de fio, mas esse trabalho excedente não geraria valor ou dinheiro. Contudo, o caráter normal dos fatores objetivos de trabalho não depende do trabalhador, e sim do capitalista. Uma outra condição é o caráter normal da própria força de trabalho. No ramo de produção em que é empregada, ela tem de possuir o padrão médio de habilidade, eficiência e celeridade.
Mas aqui supomos que nosso capitalista comprou força de trabalho de qualidade normal. Tal força tem de ser aplicada com a quantidade média de esforço e com o grau de intensidade socialmente usual, e o capitalista controla o trabalhador para que este não desperdice nenhum segundo de trabalho. Ele comprou a força de 200 trabalho por um período determinado, e insiste em obter o que é seu. Não quer ser furtado. Por fim – e é para isso que esse mesmo senhor possui seu próprio code penal [código penal] –, é vedado qualquer consumo desnecessário de matéria-prima e meios de trabalho, pois material e meios de trabalho desperdiçados representam o dispêndio desnecessário de certa quantidade de trabalho objetivado, portanto, trabalho que não conta e não toma parte no produto do processo de formação de valor.
Vê-se que a diferença, anteriormente obtida com a análise da mercadoria, entre o trabalho como valor de uso e o mesmo trabalho como criador de valor, apresenta-se, agora, como distinção dos diferentes aspectos do processo de produção. O processo de produção, como unidade dos processos de trabalho e de formação de valor, é processo de produção de mercadorias; como unidade dos processos de trabalho e de valorização, ele é processo de produção capitalista, forma capitalista da produção de mercadorias.
Observamos, anteriormente, que para o processo de valorização é completamente indiferente se o trabalho apropriado pelo capitalista é trabalho social médio não qualificado ou trabalho complexo, dotado de um peso específico mais elevado. O trabalho que é considerado mais complexo e elevado do que o trabalho social médio é a exteriorização de uma força de trabalho com custos mais altos de formação, cuja produção custa mais tempo de trabalho e que, por essa razão, tem um valor mais elevado do que a força simples de trabalho.
Como o valor dessa força é mais elevado, ela também se exterioriza num trabalho mais elevado, trabalho que cria, no mesmo período de tempo, valores proporcionalmente mais altos do que aqueles criados pelo trabalho inferior. Mas qualquer que seja a diferença de grau entre o trabalho de fiação e de joalheria, a porção de trabalho com a qual o trabalhador joalheiro apenas repõe o valor de sua própria força de trabalho não se diferencia em nada, em termos qualitativos, da porção adicional de trabalho com a qual ele cria mais-valor.
Tal como antes, o mais-valor resulta apenas de um excedente quantitativo de trabalho, da duração prolongada do mesmo processo de trabalho: num caso, do processo de produção do fio, noutro, do processo de produção de joias18. Por outro lado, em todo processo de formação de valor, o trabalho superior tem sempre de ser reduzido ao trabalho social médio; por exemplo, uma jornada de trabalho superior tem de ser reduzida a x jornadas de trabalho simples. Poupa-se, com isso, uma operação supérflua e simplifica-se a análise, por meio do pressuposto de que o trabalhado empregado pelo capital realiza o trabalho social médio não qualificado.
Fonte: O capital, Karl Marx..