Eu

Fernando Pessoa


Sou louco e tenho por memória

Uma longínqua e infiel lembrança

De qualquer dita transitória

Que sonhei ter quando criança.

 

Depois, malograda trajetória

Do meu destino sem esperança,

Perdi, na névoa da noite inglória

O saber e o ousar da aliança.

 

Só guardo como um anel pobre

Que a todo o herdado só faz rico

Um frio perdido que me cobre

 

Como um céu dossel de mendigo,

Na curva inútil em que fico

Da estrada certa que não sigo.

 

Fernando Pessoa