Como vimos, a produção capitalista só começa, de fato, quando o mesmo capital individual emprega simultaneamente um número maior de trabalhadores, quando, portanto, o processo de trabalho aumenta seu volume e fornece produtos numa escala quantitativa maior que antes. A atividade de um número maior de trabalhadores, ao mesmo tempo e no mesmo lugar (ou, se se preferir, no mesmo campo de trabalho), para a produção do mesmo tipo de mercadoria, sob o comando do mesmo capitalista, tal é histórica e conceitualmente o ponto de partida da produção capitalista. Com relação ao próprio modo de produção, a manufatura, por exemplo, em seus primórdios, mal se diferencia da indústria artesanal da corporação, a não ser pelo número maior de trabalhadores simultaneamente ocupados pelo mesmo capital.
A oficina do mestre-artesão é apenas ampliada. Inicialmente, portanto, a diferença é meramente quantitativa. Vimos que a massa do mais-valor produzida por um dado capital é igual ao mais-valor gerado pelo trabalhador individual, multiplicado pelo número de trabalhadores simultaneamente ocupados. Por si só, esse número não altera em nada a taxa do mais-valor ou o grau de exploração da força de trabalho, e no que diz respeito à produção de valor da mercadoria em geral, toda mudança qualitativa do processo de trabalho parece indiferente. Isso se segue da natureza do valor. Se uma jornada de trabalho de 12 horas se objetiva em 6 xelins, 1.200 de tais jornadas se objetivarão em 6 xelins × 1.200.
Num caso, incorporam-se ao produto 12 horas de trabalho e no outro, 12 × 1.200 horas. Na produção de valor, um conjunto de trabalhadores conta apenas como tantos indivíduos. Para a produção de valor, é indiferente se 1.200 trabalhadores produzem isoladamente ou unificados sob o comando do mesmo capital. No entanto, ocorre uma modificação, dentro de certos limites. O trabalho objetivado em valor é trabalho de qualidade social média e, portanto, a exteriorização de uma força de trabalho média. Mas uma grandeza média só existe como média de diferentes grandezas individuais da mesma espécie. Em cada ramo da indústria o trabalhador individual, Pedro ou Paulo, difere mais ou menos do trabalhador médio.
Esses desvios individuais, que matematicamente se chamam “erros”, compensam-se mutuamente e desaparecem assim que se considere um número maior de trabalhadores. Edmund Burke, o célebre sofista e sicofanta, tem a pretensão de saber, a partir de suas experiências práticas como arrendatário, que num “pelotão tão ínfimo” como o de cinco servos rurais toda diferença individual do trabalho já desaparece, de modo que um grupo qualquer de cinco servos rurais ingleses, no melhor da idade adulta, executarão em conjunto, no mesmo tempo, a mesma quantidade de trabalho que quaisquer outros grupos de cinco servos rurais ingleses8. Seja como for, está claro que a jornada de trabalho total de um número maior de trabalhadores empregados simultaneamente, dividida pelo número desses 275 trabalhadores, resulta numa jornada de trabalho social média.
Digamos que a jornada de trabalho do indivíduo seja de 12 horas. A jornada de trabalho total dos doze homens simultaneamente empregados será, então, de 144 horas, e mesmo que o trabalho de cada um dos doze homens possa se desviar mais ou menos do trabalho social médio, pois cada um consome mais ou menos tempo para realizar a mesma operação, ainda assim a jornada de trabalho de cada indivíduo, como 1/12 da jornada de trabalho total de 144 horas, possuirá a qualidade social média. Mas para o capitalista que emprega uma dúzia de trabalhadores o que existe é a jornada de trabalho como jornada de trabalho total da dúzia.
A jornada de trabalho de cada indivíduo existe como parte alíquota da jornada de trabalho total, não importando se os doze homens cooperam uns com os outros no trabalho ou se a conexão entre seus trabalhos se resume ao fato de trabalharem para o mesmo capitalista. Se, ao contrário, os doze homens forem empregados em seis pares por seis pequenos mestres, será mero acidente se cada um desses mestres produzir a mesma massa de valor e, consequentemente, realizar a taxa geral do mais-valor.
Ocorreriam desvios individuais. Se um trabalhador consumisse significativamente mais tempo na produção de uma mercadoria do que o socialmente necessário, se o tempo de trabalho de que ele individualmente necessita se desviasse significativamente do tempo de trabalho socialmente necessário ou tempo de trabalho médio, seu trabalho não seria considerado trabalho médio, tampouco sua força de trabalho como força de trabalho média. Esta não seria vendida, ou o seria apenas abaixo do valor médio da força de trabalho.
Um determinado mínimo de eficiência do trabalho é, portanto, pressuposto, e veremos posteriormente que a produção capitalista encontra meios para medir esse mínimo. Tampouco esse mínimo deixa de se desviar da média, embora, por outro lado, o valor médio da força de trabalho tenha de ser pago. Logo, dos seis pequenos mestres, um obteria mais, outro menos que a taxa geral do mais-valor. As desigualdades se compensariam para a sociedade, mas não para o mestre individual. Assim, a lei geral da valorização só se realiza plenamente para o produtor individual quando ele produz como capitalista, emprega muitos trabalhadores simultaneamente e, desse modo, põe em movimento, desde o início, o trabalho social médio9. Mesmo quando o modo de trabalho permanece o mesmo, o emprego simultâneo de um número maior de trabalhadores opera uma revolução nas condições objetivas do processo de trabalho.
Edifícios onde muitos trabalham juntos, depósitos de matérias primas etc., recipientes, instrumentos, aparelhos etc. que servem a muitos de forma simultânea ou alternada, em suma, uma parte dos meios de produção é agora consumida em comum no processo de trabalho. Por um lado, o valor de troca das mercadorias e, portanto, também dos meios de produção, não aumenta em decorrência de uma exploração qualquer aumentada de seu valor de uso. Por outro, cresce a escala dos meios de produção utilizados em comum. Uma sala em que trabalham vinte tecelões com seus vinte teares tem de ser mais ampla do que a sala em que trabalham um único tecelão independente e seus dois ajudantes.
Mas como a produção de uma oficina para vinte pessoas custa menos trabalho do que a produção de dez oficinas para cada duas pessoas, o valor dos meios de produção coletivos e massivamente concentrados não aumenta, em geral, na proporção de seu volume e efeito útil. Meios de produção consumidos em comum transferem uma parte menor de seu valor ao produto individual, em parte porque o valor total que transferem é simultaneamente repartido por uma massa maior de produtos e em parte porque, em comparação com meios de produção isolados, entram no processo de produção com um valor certamente maior em termos absolutos, porém relativamente menor quando se considera seu raio de ação.
Com isso, diminui não apenas um componente do capital constante como também, na proporção de sua grandeza, o valor total da mercadoria. O efeito é o mesmo que se obteria caso os meios de produção da mercadoria fossem produzidos de forma mais barata. Essa economia na utilização dos meios de produção deriva apenas de seu consumo coletivo no processo de trabalho de muitos indivíduos, e estes assumem tal caráter de condições do trabalho social ou condições sociais do trabalho em contraste com os meios de produção dispersos e de custo relativamente alto de trabalhadores autônomos isolados ou pequenos mestres, mesmo quando os muitos indivíduos apenas trabalham no mesmo local, sem trabalhar uns com os outros.
Parte dos meios de trabalho assume esse caráter social antes que o próprio processo de trabalho o faça. A economia no uso dos meios de produção deve ser considerada, em geral, sob um duplo ponto de vista. Em primeiro lugar, como barateamento de mercadorias e, com isso, diminuição do valor da força de trabalho. Em segundo, como modificação da relação do mais-valor com o capital total adiantado, isto é, com a soma de valor de seus componentes constante e variável. Este último ponto só será examinado na primeira seção do Livro III desta obra, na qual, em nome do conjunto, também trataremos de outros assuntos que aqui se fariam pertinentes. O curso da análise impõe essa quebra do objeto, a qual corresponde igualmente ao espírito da produção capitalista.
Como aqui as condições de trabalho de fato se confrontam com o trabalhador de forma autônoma, também a economia dessas condições aparece como uma operação particular, que não lhe diz respeito e é, por isso, separada dos métodos que fazem aumentar sua produtividade pessoal. A forma de trabalho dentro da qual muitos indivíduos trabalham de modo planejado uns ao lado dos outros e em conjunto, no mesmo processo de produção ou em processos de produção diferentes porém conexos chama-se cooperação.
Assim como o poder ofensivo de um esquadrão de cavalaria ou o poder defensivo de um regimento de infantaria são essencialmente diferentes dos poderes ofensivos e defensivos de cada um dos cavaleiros ou soldados de infantaria tomados individualmente, também a soma total das forças mecânicas exercidas por trabalhadores isolados difere da força social gerada quando muitas mãos atuam simultaneamente na mesma operação indivisa, por exemplo, quando se trata de erguer um fardo pesado, girar uma manivela ou remover um obstáculo. Nesses casos, o efeito do trabalho combinado ou não poderia em absoluto ser produzido pelo trabalho isolado, ou o poderia apenas em um período de tempo muito mais longo, ou em escala muito reduzida.
Aqui não se trata somente do aumento da força produtiva individual por meio da cooperação, mas da criação de uma força produtiva que tem de ser, por si mesma, uma força de massas11a. Sem considerar a nova potência que surge da fusão de muitas forças numa força conjunta, o simples contato social provoca, na maior parte dos trabalhos produtivos, emulação e excitação particular dos espíritos vitais [animal spirits] que elevam o rendimento dos trabalhadores individuais, fazendo com que uma dúzia de indivíduos forneça, numa jornada de trabalho simultânea de 144 horas, um produto total muito maior que o de doze trabalhadores isolados, cada um deles trabalhando 12 horas, ou que o de um trabalhador que trabalhe 12 dias consecutivos.
A razão disso está em que o homem é, por natureza, se não um animal político, como diz Aristóteles, em todo caso um animal social13. Embora muitos indivíduos possam executar simultânea e conjuntamente a mesma tarefa, ou o mesmo tipo de tarefa, o trabalho de cada um, como parte do trabalho total, pode representar diferentes fases do próprio processo de trabalho, fases que o objeto do trabalho percorre com maior rapidez graças à cooperação. Por exemplo, quando pedreiros formam uma fila de mãos para levar tijolos da base até o alto do andaime, cada um deles realiza a mesma tarefa, mas as ações individuais constituem partes contínuas de uma ação conjunta, fases particulares que cada tijolo tem de percorrer no processo de trabalho e mediante as quais, por exemplo, as 24 mãos do trabalhador coletivo o transportam com mais rapidez do que o fariam as duas mãos de cada trabalhador individual que tivesse de subir e descer o andaime.
O objeto de trabalho percorre o mesmo espaço em menos tempo. Por outro lado, uma combinação de trabalho ocorre quando, por exemplo, uma construção é executada simultaneamente por diferentes lados, embora também nesse caso os trabalhadores que cooperam realizem tarefas iguais ou da mesma espécie. A jornada de trabalho combinada de 144 horas, que ataca o objeto de trabalho por vários lados – pois nela o trabalhador combinado ou coletivo tem olhos e mãos na frente e atrás, sendo, em certa medida, onipresente – faz avançar o produto total mais rapidamente do que 12 jornadas de trabalho de 12 horas de trabalhadores mais ou menos isolados e que tenham de realizar sua obra de modo mais unilateral.
As partes do produto separadas no espaço amadurecem ao mesmo tempo. Ressaltamos anteriormente que os muitos indivíduos que se complementam de forma mútua realizam tarefas iguais ou da mesma espécie, o que demonstra que essa forma mais simples do trabalho coletivo desempenha um grande papel mesmo na forma mais elaborada da cooperação. Se o processo de trabalho é complexo, a simples massa dos que trabalham em conjunto permite distribuir as diferentes operações entre diferentes braços e, desse modo, executá-las simultaneamente, encurtando, assim, o tempo de trabalho necessário para a fabricação do produto total. Em muitos ramos da produção há momentos críticos, isto é, épocas determinadas pela própria natureza do processo de trabalho, nas quais se devem obter certos resultados do trabalho.
Por exemplo, se é preciso tosquiar um rebanho de ovelhas ou ceifar e colher uma dada plantação de trigo, a quantidade e a qualidade do produto dependem de a operação começar e terminar num determinado momento. Nesse caso, o período de tempo que o processo de trabalho deve ocupar é um período prescrito, tal como ocorre, por exemplo, na pesca do arenque. Um indivíduo não pode recortar de seu dia uma jornada de trabalho maior que, digamos, 12 horas, mas a cooperação de 100 indivíduos, por exemplo, expande uma jornada de 12 horas a uma jornada de 278 trabalho de 1.200 horas. A brevidade do prazo de trabalho é compensada pela grande massa de trabalho que, no momento decisivo, é lançada no campo de produção.
A realização da tarefa no tempo apropriado depende, aqui, da aplicação simultânea de muitas jornadas de trabalho combinadas; a amplitude do efeito útil depende do número de trabalhadores, sendo tal número, porém, sempre menor do que o número de trabalhadores que realizariam isoladamente a mesma quantidade de trabalho no mesmo período de tempo16. É por falta dessa cooperação que, na parte oeste dos Estados Unidos, uma grande quantidade de cereal é anualmente desperdiçada; o mesmo ocorre com o algodão naquelas partes da Índia Oriental onde o domínio inglês destruiu o antigo sistema comunal. Por um lado, a cooperação possibilita estender o âmbito espacial do trabalho, razão pela qual é exigida em certos processos devido à própria configuração espacial do objeto de trabalho, como na drenagem da terra, no represamento, na irrigação, na construção de canais, estradas, ferrovias etc. Por outro lado, ela torna possível, em proporção à escala da produção, o estreitamento espacial da área de produção.
Essa limitação do âmbito espacial do trabalho e a simultânea ampliação de sua esfera de atuação, que poupa uma grande quantidade de falsos custos [faux frais], é resultado da conglomeração dos trabalhadores, da reunião de diversos processos de trabalho e da concentração dos meios de produção. Comparada com uma quantidade igual de jornadas de trabalho isoladas e individuais, a jornada de trabalho combinada produz uma massa maior de valor de uso, reduzindo, assim, o tempo de trabalho necessário para a produção de determinado efeito útil. Se a jornada de trabalho combinada obtém essa força produtiva mais elevada por meio da intensificação da potência mecânica do trabalho, ou pela expansão de sua escala espacial de atuação, ou pelo estreitamento da área de produção em relação à escala da produção, ou porque, no momento crítico, ela mobiliza muito trabalho em pouco tempo, ou desperta a concorrência entre os indivíduos e excita seus espíritos vitais [Lebensgeister], ou imprime às operações semelhantes de muitos indivíduos a marca da continuidade e da multiplicidade, ou executa diversas operações simultaneamente, ou economiza os meios de produção por meio de seu uso coletivo, ou confere ao trabalho individual o caráter de trabalho social médio – de qualquer forma a força produtiva específica da jornada de trabalho combinada é força produtiva social do trabalho ou força produtiva do trabalho social. Ela deriva da própria cooperação.
Ao cooperar com outros de modo planejado, o trabalhador supera suas limitações individuais e desenvolve sua capacidade genérica [Gattungsvermögen]19. Se os trabalhadores não podem cooperar diretamente uns com os outros sem estar juntos, de modo que sua aglomeração num determinado local é condição de sua cooperação, os trabalhadores assalariados não podem cooperar sem que o mesmo capital, o mesmo capitalista os empregue simultaneamente, comprando ao mesmo tempo, portanto, suas forças de trabalho. O valor total dessas forças de trabalho, ou a soma dos salários dos trabalhadores por um dia, uma semana etc., tem, pois, de estar reunido no bolso do capitalista antes de as próprias forças de trabalho serem reunidas no processo de produção.
O pagamento de 300 trabalhadores de uma vez, ainda que 279 por um só dia, exige um dispêndio maior de capital do que o pagamento de poucos trabalhadores, semanalmente, durante o ano inteiro. Portanto, o número de trabalhadores que cooperam, ou a escala da cooperação, depende inicialmente da grandeza do capital que o capitalista individual pode desembolsar na compra de força de trabalho, isto é, da medida em que cada capitalista dispõe dos meios de subsistência de muitos trabalhadores. E com o capital constante dá-se o mesmo que com o capital variável. O gasto com matéria-prima, por exemplo, é 30 vezes maior para um capitalista que emprega 300 trabalhadores do que para cada um dos 30 capitalistas que empregam 10 trabalhadores de cada vez.
Ainda que o volume de valor e a massa material dos meios de trabalho utilizados coletivamente não cresçam na mesma proporção do número de trabalhadores empregados, esse crescimento consideravelmente. A concentração de grandes quantidades de meios de produção nas mãos de capitalistas individuais é, pois, a condição material para a cooperação de trabalhadores assalariados, e a extensão da cooperação, ou a escala da produção, depende do grau dessa concentração. Num primeiro momento, certa grandeza mínima de capital individual pareceu ser necessária para que o número de trabalhadores simultaneamente explorados – e, consequentemente, a massa do mais-valor produzido – fosse suficiente para libertar o próprio empregador do trabalho manual, para convertê-lo de um pequeno patrão num capitalista e, assim, estabelecer formalmente a relação capitalista.
Agora, essa grandeza mínima aparece como condição material para a transformação de muitos processos de trabalho individuais, dispersos e mutuamente independentes, num processo de trabalho social e combinado. Do mesmo modo, o comando do capital sobre o trabalho parecia inicialmente ser apenas uma decorrência formal do fato de o trabalhador trabalhar não para si, mas para o capitalista e, portanto, sob o capitalista. Com a cooperação de muitos trabalhadores assalariados, o comando do capital se converte num requisito para a consecução do próprio processo de trabalho, numa verdadeira condição da produção.
O comando do capitalista no campo de produção torna-se agora tão imprescindível quanto o comando do general no campo de batalha. Todo trabalho imediatamente social ou coletivo em grande escala requer, em maior ou menor medida, uma direção que estabeleça a harmonia entre as atividades individuais e cumpra as funções gerais que resultam do movimento do corpo produtivo total em contraste com o movimento de seus órgãos autônomos. Um violinista isolado dirige a si mesmo, mas uma orquestra requer um regente. Essa função de direção, supervisão e mediação torna-se função do capital assim que o trabalho a ele submetido se torna cooperativo. Como função específica do capital, a direção assume características específicas. Primeiramente, o motivo que impulsiona e a finalidade que determina o processo de produção capitalista é a maior autovalorização possível do capital, isto é, a maior produção possível de mais-valor e, portanto, a máxima exploração possível da força de trabalho pelo capitalista.
Conforme a massa dos trabalhadores simultaneamente ocupados aumenta, aumenta também sua resistência e, com ela, a pressão do capital para superá-la. O comando do capitalista não é apenas uma função específica, 280 proveniente da natureza do processo social de trabalho e, portanto, peculiar a esse processo, mas, ao mesmo tempo, uma função de exploração de um processo social de trabalho, sendo, por isso, determinada pelo antagonismo inevitável entre o explorador e a matéria-prima de sua exploração. Da mesma forma, com o volume dos meios de produção que se apresentam ao trabalhador assalariado como propriedade alheia aumenta também a necessidade do controle sobre sua utilização adequada21. A cooperação dos assalariados é, além disso, um mero efeito do capital que os emprega simultaneamente. A interconexão de suas funções e sua unidade como corpo produtivo total reside fora deles, no capital, que os reúne e os mantêm unidos.
Por isso, a conexão entre seus trabalhos aparece para os trabalhadores, idealmente, como plano preconcebido e, praticamente, como autoridade do capitalista, como o poder de uma vontade alheia que submete seu agir ao seu próprio objetivo. Se a direção capitalista é dúplice em seu conteúdo, em razão da duplicidade do próprio processo de produção a ser dirigido – que é, por um lado, processo social de trabalho para a produção de um produto e, por outro, processo de valorização do capital –, ela é despótica em sua forma. Com o desenvolvimento da cooperação em maior escala, esse despotismo desenvolve suas formas próprias. Assim como o capitalista é inicialmente libertado do trabalho manual tão logo seu capital tenha atingido aquela grandeza mínima com a qual tem início a produção verdadeiramente capitalista, agora ele transfere a função de supervisão direta e contínua dos trabalhadores individuais e dos grupos de trabalhadores a uma espécie particular de assalariados. Do mesmo modo que um exército necessita de oficiais militares, uma massa de trabalhadores que coopera sob o comando do mesmo capital necessita de oficiais (dirigentes, gerentes) e suboficiais (capatazes, foremen, overlookers, contremaîtres) industriais que exerçam o comando durante o processo de trabalho em nome do capital.
O trabalho de supervisão torna-se sua função fixa e exclusiva. Ao comparar o modo de produção de camponeses independentes ou de artesãos autônomos com a economia das plantações baseada na escravidão, o economista político computa esse trabalho de supervisão como parte dos faux frais de production21a. J á quando considera o modo de produção capitalista, ao contrário, ele identifica a função de direção proveniente da natureza do processo coletivo de trabalho com a mesma função, porém condicionada pelo caráter capitalista – e, por isso, antagônico – desse processo22. O capitalista não é capitalista por ser diretor da indústria; ao contrário, ele se torna chefe da indústria por ser capitalista. O comando supremo na indústria torna-se atributo do capital do mesmo modo como, no feudalismo, o comando supremo na guerra e no tribunal era atributo da propriedade fundiária.
O trabalhador é o proprietário de sua força de trabalho enquanto barganha a venda desta última com o capitalista, e ele só pode vender aquilo que possui: sua força de trabalho individual, isolada. Esse estado de coisas não se altera de modo algum pelo fato de o capitalista comprar cem forças de trabalho em vez de uma, ou contratar cem trabalhadores independentes entre si em vez de apenas um. Ele pode empregar os cem trabalhadores sem fazê-los cooperar. Desse modo, o capitalista paga o valor das cem forças de trabalho independentes, mas não paga a força de trabalho combinada dessa centena. Como pessoas independentes, os trabalhadores são indivíduos 281 isolados, que entram numa relação com o mesmo capital, mas não entre si. Sua cooperação começa apenas no processo de trabalho, mas então eles já não pertencem mais a si mesmos.
Com a entrada no processo de trabalho, são incorporados ao capital. Como cooperadores, membros de um organismo laborativo, eles próprios não são mais do que um modo de existência específico do capital. A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é, assim, força produtiva do capital. A força produtiva social do trabalho se desenvolve gratuitamente sempre que os trabalhadores se encontrem sob determinadas condições, e é o capital que os coloca sob essas condições. Pelo fato de a força produtiva social do trabalho não custar nada ao capital e, por outro lado, não ser desenvolvida pelo trabalhador antes que seu próprio trabalho pertença ao capital, ela aparece como força produtiva que o capital possui por natureza, como sua força produtiva imanente.
O efeito da cooperação simples se apresenta de modo colossal nas obras gigantescas dos antigos asiáticos, egípcios, etruscos etc. Em épocas passadas, ocorreu que esses Estados asiáticos, depois do custeio de seus gastos civis e militares, encontraram-se em posse de um excedente de meios de subsistência que podiam empregar em obras de suntuosidade ou utilidade. S eu comando sobre as mãos e os braços de quase toda a população não agrícola e a exclusividade que o monarca e os sacerdotes detinham na gerência de tal excedente garantiram-lhes os meios para a construção daqueles portentosos monumentos, com os quais cobriram o país [...] No deslocamento de estátuas colossais e massas enormes, cujo transporte causa assombro, empregou-se quase exclusivamente trabalho humano, e com grande prodigalidade. O número de trabalhadores e a concentração de seus esforços eram suficientes.
Do mesmo modo, vemos enormes recifes de corais emergindo das profundezas do oceano, formando ilhas e se constituindo em terra firme, embora cada depositante [depositary] individual seja ínfimo, débil e desprezível. Os trabalhadores não agrícolas de uma monarquia asiática têm muito pouco a contribuir para uma obra além de seus esforços físicos individuais, mas seu número é sua força, e foi o poder da direção sobre essas massas que originou aquelas obras prodigiosas. O que possibilitou tais empreendimentos foi a concentração, em uma ou poucas mãos, das rendas das quais vivem os trabalhadores. Na sociedade moderna, esse poder dos reis asiáticos e egípcios ou teocratas etruscos etc. migrou para o capitalista, quer ele se apresente como capitalista isolado, quer, como nas sociedades por ações, como capitalista combinado.
A cooperação no processo de trabalho tal como a encontramos predominantemente nos primórdios da civilização humana, entre os povos caçadores ou, por exemplo, na agricultura da comunidade indiana, baseia-se, por um lado, na propriedade comum das condições de produção e, por outro, no fato de que o indivíduo isolado desvencilhou-se tão pouco do cordão umbilical da tribo ou da comunidade quanto uma abelha da colmeia. Essas duas características distinguem essa cooperação da cooperação capitalista. A aplicação esporádica da cooperação em grande escala no mundo antigo, na Idade Média e nas colônias modernas repousa sobre relações imediatas de domínio e servidão, principalmente sobre a escravidão.
A forma capitalista, ao contrário, pressupõe desde o início o trabalhador assalariado, livre, que vende sua força de trabalho ao capital. Historicamente, porém, ela se desenvolve em oposição à economia camponesa e à produção artesanal independente, assumindo esta última a forma da guilda ou não24. Diante delas, não é a cooperação capitalista que aparece como uma forma histórica específica da cooperação, mas, ao contrário, é a própria cooperação que aparece como uma forma histórica peculiar do modo de produção capitalista, como algo que o distingue especificamente.
Assim como a força produtiva social do trabalho desenvolvida pela cooperação aparece como força produtiva do capital, também a própria cooperação aparece como uma forma específica do processo de produção capitalista, contraposta ao processo de produção de trabalhadores autônomos e isolados, ou mesmo de pequenos mestres. É a primeira alteração que o processo de trabalho efetivo experimenta em sua subsunção ao capital. Tal alteração ocorre natural e espontaneamente. Seu pressuposto, a ocupação simultânea de um número maior de trabalhadores assalariados no mesmo processo de trabalho, constitui o ponto de partida da produção capitalista, que por sua vez coincide com a existência do próprio capital.
Se, portanto, o modo de produção capitalista se apresenta, por um lado, como uma necessidade histórica para a transformação do processo de trabalho num processo social, essa forma social do processo de trabalho se apresenta, por outro lado, como um método empregado pelo capital para explorá-lo de maneira mais lucrativa, por meio do aumento de sua força produtiva. Em sua configuração simples, que consideramos até o momento, a cooperação coincide com a produção em maior escala, porém não constitui uma forma fixa, característica de um período particular de desenvolvimento do modo de produção capitalista.
No máximo, ela se aproxima dessa forma nos primórdios ainda artesanais da manufatura25 e em toda espécie de grande agricultura, que corresponde ao período manufatureiro e só se distingue essencialmente da economia camponesa pela quantidade de trabalhadores simultaneamente empregados e pelo volume de meios de produção concentrados. A cooperação simples continua a predominar naqueles ramos de produção em que o capital opera em grande escala, sem que a divisão do trabalho ou a maquinaria desempenhem um papel significativo. A cooperação continua a ser a forma básica do modo de produção capitalista, embora sua própria configuração simples apareça como forma particular ao lado de suas formas mais desenvolvidas.
Fonte: O capital, Karl Marx.